MODELAGEM MATEMÁTICA: O QUE É? POR QUE? COMO?
Jonei Cerqueira
Barbosa[1]
Veja mais sobre modelagem matemática nos links abaixo.
Resumo
Nesse artigo, apresento algumas
idéias teóricas sobre Modelagem na perspectiva da Educação Matemática. Usando
exemplos de sala de aula e colocando ênfase sobre aspectos sócio-culturais,Modelagem
é relacionada a problemas com referência na realidade. A integração de
Modelagem no currículo escolar também é discutida.
Palavras-chave: Educação Matemática,
Modelagem Matemática, sala de aula.
Abstract
Mathematical Modelling: what is? Why? How?
In this paper, I present some theoretical ideas
about modelling in mathematics education. Using examples from classrooms and
putting emphasis on socio-cultural aspects, modelling is related to problems
that are rooted in reality. The integration of modelling into the mathematics
curriculum is also discussed. Key-words: Mathematics Education, Mathematical
Modelling, classroom.
Para início de conversa...
Modelagem Matemática tem
sido o foco de minha atenção nos últimos anos. Tenho desenvolvido atividades
dessa natureza em minhas aulas, acompanhado outros professores e conduzido
investigações. Nessas práticas, muitos colegas me perguntam sobre o tema: o que
é Modelagem? Por que fazer Modelagem? Como fazer Modelagem? Esse artigo é
justamente uma tentativa de oferecer subsídios para as pessoas compreenderem
uma maneira (e não a maneira) de entender Modelagem na perspectiva da Educação
Matemática.
Muitas vezes, Modelagem é
conceituada, em termos genéricos, como a aplicação de matemática em outrás
áreas do conhecimento, o que, a meu ver, é uma limitação teórica. Dessa forma,
Modelagem é um grande ‘guarda-chuva’, onde cabe quase tudo. Com isso, não quero
dizer que exista a necessidade de se ter fronteiras claras, mas de se ter maior
clareza sobre o que chamamos de Modelagem.
Outras vezes,
os parâmetros da Matemática Aplicada, expressas em esquemas explicativos, como
os encontrados em Edwards e Hamson (1996), são emprestados para definir
Modelagem. A principal dificuldade diz respeito aos quadros de referências
postos pelo contexto escolar: aqui, os 1 Doutor em Educação Matemática pela
UNESP (Campus de Rio Claro). Atualmente, é professor e coordenador do curso de
Licenciatura em Matemática das Faculdades Jorge Amado. Home-page: http://sites.uo.com.br/joneicb E-mail: joneicb@uol.com.br objetivos, a dinâmica
do trabalho e a natureza das discussões matemáticas diferem dos modeladores
profissionais (Matos e Carreira, 1996).
Parece-me que
os esquemas explicativos, trazidos da Matemática Aplicada, soam como passos
prescritivos sobre a atividade dos alunos, os quais são avaliados em termos do
que falta para chegarem o uso ‘adequado’ deles.
Diante dessas
limitações, sugiro que façamos uma reflexão sistemática sobre Modelagem a
partir dos parâmetros da própria Educação Matemática. Isso não significa uma
separação da Matemática Aplicada, com a qual temos uma forte intersecção, mas a
singularização do objeto no campo da Educação Matemática. Penso que para dar
conta desse propósito, deve-se tomar as práticas correntes de Modelagem como
objeto de crítica.
Nesse artigo, apresento
alguns de meus entendimentos sobre Modelagem, resultantes justamente da
reflexão permanente que tenho realizado sobre a questão
‘
O que
é isso, Modelagem?’.
Trata-se de uma
perspectiva sobre Modelagem Matemática, apresentada aqui para fertilizar o
debate a respeito do tema. Por que Modelagem? Muito se tem discutido sobre as
razões para a inclusão de Modelagem no currículo (Bassanezi, 1994). Em geral,
são apresentados cinco argumentos: motivação, facilitação da aprendizagem,
preparação para utilizar a matemática em diferentes áreas, desenvolvimento de
habilidades gerais de exploração e compreensão do papel sócio-cultural da
matemática.
Como atesta Blum (1995),
eles são todos importantes e representam as facetas da Modelagem na educação
escolar. Porém, eu gostaria de colocar a ênfase no último da lista acima, pois
ele está diretamente conectado com o interesse de formar sujeitos para atuar
ativamente na sociedade e, em particular, capazes de analisar a forma como a
matemática é usada nos debates sociais.
Diversos estudos têm
agendado as dimensões sócio-críticas da Educação Matemática (Atweh, Forgasz &
Nebres, 2001; D’Ambrósio, 1996; Skovsmose, 1994). Reconhecidamente, ao redor
das aplicações da matemática, persiste
um certo consenso acerca da veracidade e confiabilidade, denotando o que Borba
e Skovsmose (1997) chamam de ideologia da certeza, o que pode dificultar a
inserção das pessoas nos debates sociais.
Creio que as atividades
de Modelagem podem contribuir para desafiar a ideologia da certeza e colocar
lentes críticas sobre as aplicações da matemática. Discussões na sala de aula
podem agendar questões como as seguintes: O que representam? Quais os
pressupostos assumidos? Que mas realizou? A quem servem? Etc. Trata-se de uma
dimensão devotada a discutir a natureza das aplicações, os critérios utilizados
e o significado social, chamado por Skovsmose (1990) de conhecimento reflexivo.
Com essa perspectiva,
creio que Modelagem pode potencializar a intervenção das pessoas nos debates e
nas tomadas de decisões sociais que envolvem aplicações da matemática, o que me
parece ser uma contribuição para alargar as possibilidades de construção e
consolidação de sociedades democráticas.
Com essa discussão,
quero sugerir a noção de primado da argumentação. Em estudo anterior (Barbosa, 2001), concluí que o argumento de
maior força nas concepções de professores interfere no design das atividades de
Modelagem. Portanto, ao tomar o argumento de que Modelagem leva os alunos a
compreender o papel sócio-cultural da matemática, quero justamente enfatizar
esse aspecto nas atividades de sala de aula. Com isso, não quero dizer que os
demais argumentos postos na literatura são inválidos, mas que são iluminados
por esse último.
O que é uma atividade de
Modelagem?
Toda atividade escolar
oferece condições sob as quais os alunos são convidados a atuar. Isso refere-se
à noção de ambiente de aprendizagem apresentada por Skovsmose (2000). No caso
de Modelagem, são colocadas algumas condições que propiciam determinadas ações
e discussões singulares em relação a outros ambientes de aprendizagem.
A meu ver, o ambiente de
Modelagem está associado à problematização e investigação. O primeiro refere-se
ao ato de criar perguntas e/ou problemas enquanto que o segundo, à busca,
seleção, organização e manipulação de informações e reflexão sobre elas. Ambas
atividades não são separadas, mas articuladas no processo de envolvimento dos
alunos para abordar a atividade proposta. Nela, podem-se levantar questões e
realizar investigações que atingem o âmbito do conhecimento reflexivo.
Imagine que o
professor propõe aos alunos o estudo do impacto da contribuição social (tratase
de um imposto cobrado pelo Governo Brasileiro para manutenção do sistema
previdenciário) no salário das pessoas. Os alunos, por certo, terão que
formular questões, buscar dados, organizá-los, abordá-los matematicamente, avaliar
os resultados, traçar novas estratégias, etc. Aqui, os alunos, mesmo supondo
que o professor oferecesse um problema inicial, teriam que formular questões
para dar conta de sua resolução e investigar formas de resolvê-las.
Apesar das situações
terem origem em outros campos que não a matemática (Blum e Niss, 1991), os
alunos são convidados a usarem idéias, conceitos, algoritmos da matemática para
abordá-las. Além de aplicar conhecimentos já adquiridos, como tradicionalmente
tem sido assinalado, há a possibilidade de os alunos adquirirem novos durante o
próprio trabalho de Modelagem (Tarp, 2001).
A
par do comentário de Niss (2001) sobre a forte presença na literatura de
atividades altamente simplificadas e idealizadas, devo sublinhar que não
considero situações fictícias no âmbito da Modelagem. Estou interessado em
situações cujas circunstâncias se sustentam no mundo social e não são criadas
(no sentido estrito da palavra) por alguém. Skovsmose (2000) fala que
atividades desse porte têm referência na realidade.
Devido ao pouco espaço para estender a
discussão, posso resumir dizendo que Modelagem,
para mim, é um ambiente de aprendizagem no qual os alunos são convidados
a problematizar e investigar, por meio da matemática, situações com referência
na realidade.
Tentei
clarificar, para mim mesmo, o que entendo por Modelagem, tomando em conta a
especificidade da Educação Matemática. O leitor poderá observar que tentei
caracterizá-la em termos do contexto no qual é desenvolvido (a escola), a
natureza da atividade (investigação) e os domínios que envolve (matemática e
áreas com referência na realidade). Esse entendimento pretende delimitar uma
certa região que abrange as atividades que chamo de Modelagem.
Qual o lugar
de Modelagem no currículo?
Há
várias maneiras de implementar Modelagem no currículo. Tenho evitado uma
abordagem compartimentada, onde Modelagem constitui-se uma ‘ilha’ dentre as
outras atividades. Incorporá-la na escola deve significar também o movimento do
currículo de matemática para um paradigma de investigação (Skovsmose, 2000).
A
dissonância não estimula a problematização e investigação. Araújo e Barbosa
(2002) relatam estudo onde os alunos elaboraram problemas fictícios, altamente
idealizados, pois esse tipo de atividade era estimulado pelo professor nas
demais atividades curriculares. Isso sugere a importância de existir uma
consonância entre Modelagem e as outras tarefas escolares. A literatura tem
apresentado experiências de Modelagem que variam quanto à extensão e às tarefas
que cabem ao professor e aluno. Galbraith (1995) apresenta uma idéia poderosa
para abordar essa diversidade de designs. O autor fala em níveis de Modelagem.
Inspirado nessa idéia, vou preferir falar em regiões de possibilidades, os
quais chamarei simplesmente de ‘casos’. Permita-me numerá-los de 1 a 3 e
lembrar que todos os casos estão subordinados à compreensão de Modelagem posta
na secção anterior.
No
caso 1, o professor apresenta um problema, devidamente relatado, com dados
qualitativos e quantitativos, cabendo aos alunos a investigação. Aqui, os
alunos não precisam sair da sala de aula para coletar novos dados e a atividade
não é muito extensa. Citarei um exemplo extraído de minha própria sala de aula
no qual solicitei aos alunos para investigar sobre os planos de pagamento
disponíveis no mercado para ter o acesso à internet. Coletei os preços de uma
companhia que oferece o serviço de internet, como mostrado na figura 1, e pedi
que os alunos decidissem pelo melhor plano.
Assinatura
mensal(R$)
|
Tempo
de acesso incluído (h)
|
Tempo
adicional
|
por hora (R$)
|
|
Plano 1
|
17,95
|
-
|
0,73
|
|
Plano 2
|
27,95
|
15
|
0,53
|
|
Plano 3
|
49,95
|
60
|
0,35
|
|
Plano 4
|
75,95
|
150
|
0,35
|
Tabela 1
Nesse
caso, os estudantes trataram com “um problema” que qualquer pessoa poderia
enfrentar no dia-a-dia. Eles não sabiam exatamente como proceder, porém não foi
necessário coletar mais dados para resolvê-lo. A investigação tomou pouco
tempo, cerca de 150 minutos (ou 3 aulas), incluindo a discussão dos resultados.
Já
no caso 2, o alunos deparam-se apenas com o problema para investigar, mas têm
que sair da sala de aula para coletar dados. Ao professor, cabe apenas a tarefa
de formular o problema inicial. Nesse caso, os alunos são mais
responsabilizados pela condução das tarefas. Por exemplo, em outra turma,
apresentei a seguinte questão: “Quanto custa ter acesso a internet?” Discuti
com os estudantes o problemas, porém não dei nenhuma tabela de preços e os
vários grupos ficaram responsáveis para a coleta daqueles que julgavam
necessários para resolver o problema. Eles tiveram que selecionar as variáveis
importantes e traçar estratégias de resolução. Essa atividade demandou mais
tempo que a anterior, consumindo algumas semanas. Durante esse tempo, os alunos
trabalharam fora da sala de aula e discutiram comigo em sala o desenvolvimento
da tarefa. O projeto foi concluído com uma apresentação oral por cada grupos e
subseqüente discussão. Nesse caso, o professor teve menos controle sobre as
atividades dos alunos e esses tiveram uma maior oportunidade de experimentar
todas as fases do processo de Modelagem.
E,
por fim, no caso 3, trata-se de projetos desenvolvidos a partir de temas
‘não-matemáticos’, que podem ser escolhidos pelo professor ou pelos alunos.
Aqui, a formulação do problema, a coleta de dados e a resolução são tarefas dos
alunos. Essa forma é muito visível na tradição brasileira de Modelagem
(Bassanezi, 1994; Fiorentini, 1996).
Para
ilustrá-lo, citarei uma atividade que desenvolvi quando era professor de
Matemática no curso de Administração de Empresas. Os alunos foram convidados a
escolherem temas de interesse. Telecomunicações, fome, inflação, marketing e a
taxa de contribuição social foram citados pelos 5 grupos de estudantes. Focarei
minha discussão sobre o grupo que escolhei o último tema: a taxa de contribuição
social.
Os
estudantes iniciaram levantando questões sobre o tópicos. No início, eles não
possuía uma idéia clara sobre como proceder. À medida que se tornavam mais
familiares com o tema e as variáveis, e após discussões com o professores, eles
escolherem uma questão singular para perseguir: Qual é o impacto da
contribuição social sobre os salários? Daí, eles tiveram que coletar e
organizar dados antes que pudessem resolver o problema. Nesse caso, a atividade
de Modelagem tomou considerável tempo em relação aos casos anteriores, em
particular pela dificuldade inicial dos alunos em formular o problemas. Como no
caso prévio, o professor acompanhou o trabalho dos alunos nas salas, mas
tiveram que desenvolver a maior parte em tempo extra.
Uma
decorrência do desenvolvimento de atividades de Modelagem do tipo 3 é a
possibilidade de ser uma fonte de problemas para uso em outras turmas. Sugiro
isso a colegas os quais possuem dificuldades de encontrar atividades de
Modelagem.
Do
caso 1 para o 3, a responsabilidade do professor sobre a condução das
atividades vai sendo mais compartilhada com os alunos. Os casos não são
prescritivos, mas, como insinuei anteriormente, trata-se da idealização de um
conjunto de práticas correntes na comunidade.
Case 1
|
Case 2
|
Case 3
|
|
Formulação do
problema
|
professor
|
professor
|
professor/aluno
|
Simplificação
|
professor
|
professor/aluno
|
professor/aluno
|
Coleta de
dados
|
professor
|
professor/aluno
|
professor/aluno
|
Solução
|
professor/aluno
|
professor/alun
|
professor/aluno
|
Tabela
2. Tarefas no processo de Modelagem.
Os
três casos ilustram a flexibilidade da Modelagem nos diversos contextos
escolares. Em certos períodos, a ênfase pode ser projetos pequenos de
investigação, como no caso 1; em outros, pode ser projetos mais longos, como os
casos 2 e 3. Mas, seja como for, quero sublinhar a perspectiva crítica nessas
atividades e a consideração de situações, de fato, ‘reais’ como subjacentes a
eles.
Algumas
palavras finais...
Esse
artigo é fruto das reflexões que tenho realizado nos últimos tempos sobre a
questão ‘O que é Modelagem Matemática?’. A expectativa não era e não é formular
um entendimento final e acima dos demais, mas excitar o pensamento a se
debruçar sobre o significado e o lugar da Modelagem na Educação Matemática.
Como
decorrência, argumento que os parâmetros da Matemática Aplicada, expressa nos
esquemas explicativos, são limitados para embasar Modelagem na Educação
Matemática. Parece-me que o que ocorre na sala de aula é de natureza diferente,
porém não disjunta, da atividade dos modeladores profissionais. Daí, a
reivindicação de tomar o locus da Educação Matemática para teorizar sobre
Modelagem.
A
seguir, tomando em conta essas considerações, tentei sistematizar minhas
próprias reflexões sobre Modelagem. Partindo de uma perspectiva crítica,
coloquei a ênfase na problematização e investigação e no estudo de situações
reais e introduzi a noção de casos inspirado em Galbraith (1995).
As
idéias, aqui, postas representam uma sistematização com o fim de nutrir a
própria prática. Esse processo é inconcluso e está envolto num ciclo permanente
de crítica. Com esse artigo, ao contrário de desejar congelar as idéias aqui
postas, quero colocá-las em movimento. Trata-se tão somente de convite para o
debate.
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Retirado do
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